Quem sou eu

segunda-feira, 22 de junho de 2009

As fores da minha avó



As flores da casa da vovó não me saem da cabeça. Não que fossem as mais lindas de todas as já vistas por mim. Na verdade eram bem simples, bem comuns; dessas que se encontram em jardim qualquer. Mas eram especiais para mim. E para minhas primas também, acredito. Na verdade, chegavam a ser importantes devido à serventia: usávamos muito como alimento nas brincadeiras de casinha. Isso mesmo! As flores da casa da vovó eram a comida! E todo tipo de comida, diga-se de passagem. Macarrão:flores enroladinhas, feito tirinhas. Carne: pétalas inteiras. E pra papinha do bebê, muitas flores bem amassadinhas, esmagadinhas mesmo.

Quando a vovó dava por isso, era menina pra todo lado despontando nos terreiros da fazenda, porque ela brigava muito! " Vocês não têm o que fazer não? Cadê as mães dessas meninas? Vê se tem cabimento destruir meus canteiros plantados com tanto trabalho! Ora mais!"

Para nós era tão natural a existência daquelas flores que não entendíamos o drama da vovó! Afinal, por mais que ela brigasse, nós sempre dávamos um jeito de brincar com as flores de novo. E por mais que arrancássemos, sempre apareciam mais; de modo que a vovó não passava de uma chata mesmo aos nossos olhos. Porque não tinha razão para se importar com as flores que Deus cuidaria de devolver à natureza.

A maior( e melhor) razão para tirar as flores não era simplesmente a brincadeira de casinha. Na casinha elas serviam de comida, de enfeite para a sala sempre pronta para receber visitas, de buquê que os namorados(primos ou imaginários) davam às amadas (nós-claro! E isso é uma constatação de que a mulher já na infância entende de cavalheirismo, romantismo e essas coisas que o tempo moderno tem apagado. A culpa deve ser desses mil contos que sempre acabam em príncipes encantados! Vou lembrar disso na hora de escolher os livros da filha que quero ter.) Enfim, voltando à serventia das flores, elas eram principalmente roubadas do quintal da vovó para serem dadas às mães , tias e avó: nossas mães, nossas tias e nossa avó. As mulheres tão queridas e amadas por nós. As mulheres que olhávamos e admirávamos.Quando chegaria nosso tempo de ser como elas? Seríamos como elas de fato? Altas, loiras, morenas? Teríamos como elas tantos filhos? Deitaríamos numa rede para que um desses filhos penteasse nossos cabelos, fizesse cafuné e ouvisse nossas histórias? Teríamos meninas para chegar com flores arrancadas do canteiro da avó? Ah! Como eu desejava isso! Eu imaginava mesmo uma reunião imensa de parentes na fazenda, cada mulher como sua mãe, com sua prole... e quem sabe até uma dessas mães(agora avó) não se queixasse das netas destruindo as flores da bisa? Eu sonhava mesmo com tudo isso. Mas dada à modernidade dos tempos, a fazenda tem andado sozinha. A vovó adoeceu da pior doença que a mente pode ter: esquecimento. E só Deus pode saber se ao olhar seu canteiro sem flores ela se dá conta disso. Pode ser que ela nem se lembre do orgulho que tinha de suas rosinhas. E pode ser, o que é bem pior,que ela, em seu silêncio, em sua ausência, sinta falta de seu canteiro, sem saber ao certo oque aconteceu: se pararam de cuidar ou se suas netas conseguiram arrancar a última das rosas. Mas se ela pudesse entender eu diria que na verdade Deus não descuida das flores arrancadas pelas crianças. Deus gosta de ver brincarem as crianças. E enquanto elas brincam, ainda que destruindo a natureza aos olhos de um adulto, Deus entende que elas apenas comungam da criação. E Ele deve de sorrir muito com isso!(E que isso sirva de conselho a todas as avós que cultivam flores e netos.) Se minha avó pudesse entender eu diria que nem todo o canteiro se foi ainda. Foram as filhas. Cresceram as netas e se foram também. Mas uma rosa ficou, contraditoriamente esquecida, para nos lembrar do valor que ela tem: Rosa- Lizeth, em seu silêncio querendo falar que o canteiro só tem sentido quando as rosas-filhas se unem, para que as rosas -netas também possam estar juntas relembrando as brincadeiras de casinha e, talvez, contando aos nascidos neste tempo o quanto valeu a pena cada dia de flor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário