Quem sou eu

quinta-feira, 28 de maio de 2009

CRIANCICES


PERALTAGEM

O canto distante da sariema encompridava a tarde. E porque a tarde ficasse mais comprida a gente sumia dentro dela. E quando o grito da mãe nos alcançava a gente já estava do outro lado do rio. O pai nos chamou pelo berrante. Na volta fomos encostando pelas paredes da casa pé ante pé. Com receio de carão do pai. Logo a tosse do avô acordou o silêncio da casa. Mas não apanhamos nem. E nem levamos carão nem. A mãe só que falou que eu iria ver leso fazendo essas coisas. O pai completou: ele precisava de ver outras coisas além de ficar ouvindo só o canto dos pássaros. E a mãe disse mais: esse menino vai passar a vida enfiando água em espeto! Foi quase. ( Manoel de Barros)
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Simplesmente eu adoro Manoel de Barros! Nossa! Acho incrível mesmo! E já explico.( Claro! ) Até porque minha mania parece ser mesmo tentar explicar as razões de meus filmes, livros, autores... É como se eu quisesse convencer as pessoas a gostarem do que gosto. Na verdade é um pouco isso mesmo. Não porque eu queira que todos tenham minha preferência. Deus me livre! Adoro isso de ser diferente,porque é o que nos possibilita sempre ter o prazer da novidade. Novo livro, novo filme, nova visão, novas pessoas... e até as mesmas pessoas, mas com idéias novas. O bom da vida é um pouco isso também. Mas se quero tanto convencer as pessoas do que gosto é porque acho que vale a pena mesmo! E como diria um de meus adoráveis(um que atende por Fernando Pessoa, ou Alberto Caeeiro ou...), "tudo vale a pena se a alma não é pequena." E para aqueles de alma bem grande, lá vou eu tentar convencê-los da maravilha por trás de tantas pedras e gravetos do Manoel de Barros. Maneco, como eu intimamente(meu íntimo,porque dele só conheço os livros. E posso dizer que é o que ele é, porque não dá pra fingir tantas poesias) gosto de chamá-lo, escreve aparentemente sobre coisas. Não essas coisas que se pode comprar em lojas. As coisas do Maneco estão aí todo tempo, mesmo que não demos por elas: pedras, gravetos, rios, folhas, mangas, peixes... As coisas de Maneco são assim naturais, de graça para qualquer um que se atreva a olhar para elas com olhos de Maneco. E esses olhos, podem apostar, quase sempre estão cegos na maioria das pessoas. O importante é o que há por trás dessas coisas. Porque ele não fala exatamente delas. Elas são apenas o pano de fundo para mostrar sua relação com a vida e, por assim dizer, com as pessoas, que são o que realmente importa na vida. Maneco vive a natureza e a respeita de tal modo, que não há como imaginá-lo diferente com o ser humano, pois quem comunga do barulho dos galhos ao vento é incapaz de não comungar com gente. E nessa comunhão ele cria verbos novos. Ele é capaz de dizer que folhou a tarde inteira. E eu, boba, fico imaginando como seria isso... folhar... Será que é ficar ao tempo, ao vento, sentindo a natureza na alma,sem preocupação de coisa alguma> Sei lá! Só sei que eu queria um dia folhar também. Queria riachar, queria montanhar, queria manoelar... Acho que ele entende bem das criações de Deus. Assim como a natureza, que faz seu papel bom e belo como Deus ensinou, assim é Manoel. E eu o amo por isso. Talvez eu não saiba conjugar ainda toda a natureza sua (ainda, porque um dia vou conseguir!), mas de peraltagem eu entendo. Mesmo eu, que fui a criança mais tímida de todo o universo, entendo de peraltagem. E por isso escolhi postar esse texto. Porque lembrei de minha infância na fazenda Ouro Preto. Infância bem vivida ao lado de tantos 20 e poucos primos. Nossa! É inacreditável que nos 10,12 anos que tenha durado minha criancice eu tenha feito tanta coisa! Não se impressionem com o que digo, é que daqui a pouco vou fazer 30 anos, mas lembro como hoje meu aniversário de 20, de modo que me pergunto onde foram parar esses 10 anos que nem vi passar> Sinceramente a sensação que tenho é de que dormi com 20 e acordei com 28. Acho que nem sei direito o que fiz nesse tempo. Talvez porque tenha sido o tempo em que eu não soube gastar minha vida. Mas de minha infância eu recordo cada detalhe. Quando adolesci(tornei-me adolescente) eu realmente vi como aconteceu, porque cada dia da minha infância foi muito bem gasto!Entre brincadeiras, peraltagens, quedas, banhos de açude, subidas de serra, joelhos ralados, puxões de orelha... Nem que eu queira seria possível narrar tudo o que vivi, porque não dá pra contar só os fatos, seria preciso mesmo torná-los poesia. Talvez por isso eu me encante tanto com Maneco, porque ele tem gosto e cheiro de infância, liberdade, chuva, colo de avó, galope de cavalo, bodega do vovô, bombom do tio Supimpa... Enfim! Tudo o que sei é que ainda hoje minha mãe me olha com esse olhar de quem se pergunta se eu vou passar a vida toda enfiando água em espeto. E assim como Maneco eu respondo:quase. Mas sei que é um quase que quer dizer sempre, porque pra quem não entende, enfiar água em espeto é essa coisa de fazer poesia, de ver a vida pelos olhos de uma criança e de querer não crescer nunca. " Voar, voar e aprender: pra ser feliz, liberte essa criança que existe em você!"
( Carol de Holanda)

segunda-feira, 25 de maio de 2009

O LEITOR


" O que você seria capaz de fazer para esconder um segredo?"
Nossa! Nem sei como começar a falar sobre este filme! Sabe quando você ainda está digerindo uma comida super pesada? É preciso dias para que tudo se processe. Acho que é assim que me sinto. Tanto que já o assisti 4 vezes, talvez na intenção de mastigar melhor... Posso dizer que sorri, chorei, indignei-me com tudo o que vi. Talvez a expressão correta seja: fiquei passada mesmo! Encantada! E como sou dada a exageros, maravilhada! Angustiada! E vai, vai, vai, vai os tantos adjetivos para dizer de mim depois do filme. E se é verdade que um homem não se banha duas vezes no mesmo rio, porque já não é o mesmo homem; posso dizer que eu também sou um pouco outra depois de "O leitor". Entendam(ou tentem) um pouco de tudo que ainda tento entender: uma mulher que não sabia ler. Trinta e poucos anos e não sabia ler. E por causa dessa ignorância assume culpas que não são suas. Submete-se a cargos de trabalhos sempre inferiores, mesmo quando é promovida ao melhor. Porque não revela a ninguém que não sabe ler. Tem uma profunada vergonha disso, talvez se sinta indigna por isso. Já pensou ser promovida numa fábrica e não assumir o cargo porque não sabe ler? E o que é pior, não pedir para permanecer no cargo antigo para não ter que explicar que assim deseja porque não sabe ler!? E o que é pior ainda, pedir demissão e se ver obrigada a aceitar qualquer outro trabalho que não lhe exija a leitura, mesmo que seja guarda dos campos de concentração nazistas!? Já pensou tomar para si a culpa da morte de 300 judeus só para não revelar que não sabe ler?! Já pensou ser condenada à prisão perpétua por isso?! Para nós que aprendemos o processo da leitura quando ainda somos crianças, e nem lembramos mais como tudo se deu, talvez isso seja banal, talvez julguemos que alguém que aje assim é no mínimo louco. Mas não! Porque não saber ler quando se tem 30,40,50 anos pode ser como ser cego para muitas pessoas. Era para a personagem. E só por isso eu me pus na pele dela, na alma dela... e sofri cada tapa que a vida lhe dava. Do mesmo modo que me encantei a cada descoberta que ela fazia. Quando seu leitor lia para ela não havia como não se encantar com o filme, porque ela sofria com as tragédias das narrativas, ela se emocionava com a leitura que, embora comum para ele, era totalmente novidade para ela. Nós é que perdemos a capacidade de nos emocionar com os livros, com as músicas, com a vida. Mas Hanna, personagem analfabeta, entendia disso melhor do que qualquer um. No entanto foi condenada como um ser monstruoso. Não é estranho que meia dúzia de pessoas sejam condenadas por um crime que toda a maioria da Alemanha de Hitler tenha cometido? Uma guarda que chorava ao ouvir um coro de igreja ( quer maior sensibilidade que esta?) foi condenada como insensível por um crime cometido por tantos outros alemães hipócritas, que apontavam-lhe o dedo gritando "nazizta!" E é possível que ela nem soubesse o que era o nazismo, dada sua ignorância. Ela apenas soube cumprir bem sua função de guarda, porque precisava do emprego. Meu Deus! Que filme! Uma mulher dura e tão doce ao mesmo tempo... uma criança de 30 e poucos anos descobrindo a vida ao lado de outra criança de 15 anos. Realmente nem me esforçando muito eu vou conseguir explicar todas as emoções que senti ao assistir a este filme. Porque ele não trata simplesmente de uma mulher que não sabe ler ou de um menino que lê para ela. É o que está além disso! É como nossa vida mesmo, que não trata apenas do que as pessoas vêem em nós, mas do que somos para nós mesmos e do quanto isso pode influenciar em todas as decisões que tomaremos por toda uma vida.Porque o que para uns pode ser banal, para nós pode ser fatal. Afinal, "cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é!" Acho que vou terminar levantando a bandeira contra o analfabetismo, que entre tantas carências da massa carente de tudo, é carência também de outros que sabem ler, mas não entendem as entrelinhas, não sabem interpretar. Leiam! Não somente os livros,mas principalmente a vida. Porque quem entende da vida certamente vai ser meio como a Hanna diante de um bom livro: sempre maravilhada!