Quem sou eu

quarta-feira, 3 de junho de 2009

O CORAÇÃO TEM RAZÕES QUE A PRÓPRIA RAZÃO DESCONHECE...


O que faz você baixar a cabeça? O que faz caírem seus olhos para o chão, como se a procura de um buraco bem fundo? Lembra aquela brincadeirinha da infância: "o buraco é fundo, acabou-se o mundo"? Pois então! O que faz seu mundo desabar? O que em você é tão grave que você não gostaria de revelar a ninguém? O que há que envergonha sua existência? O que traz um profundo sentimento de indignidade? Acredito que para cada pessoa, há uma resposta muito singular. Porque aquilo que me faz cair pode ser a mesma razão pela qual um outro se levante feliz todo dia. Há quem não se sinta feliz com uma boca tão carnuda, e por isso sequer ouse usar um batom escuro, para não chamar ainda mais a atenção para seu "defeito". E há sempre uma Angelina Jolie que abuse dos batons vermelhos! Há quem estremeça dos pés à cabeça, tenha as mãos suando frio e gagueje muitíssimo se alguém lhe pede para falar em público. Eu, por exemplo, já fiz até xixi na roupa( na sala de aula) com vergonha de pedir à professora para ir ao banheiro. E há quem não perca a chance de se colocar para uma multidão. Há quem sofra com o alcoolismo de um pai e se anule por isso. Há quem siga o caminho do pai. E há quem lute para ser exatamente diferente. Que razão levou um e outro sujeitos à mesma condição a não agirem igual? Vai saber! Vai saber! Por quê? É simples! Porque cada coração tem sua razão. Cada um sabe exatamente onde seu sapato aperta, onde seu calo dói. Ora! Quando cheguei em casa da escola, no dia lá em que fiz xixi na sala de aula, minha mãe brigou comigo: "Por que você não pediu para ir ao banheiro? Você já tem 11 anos! Por que não falou com a professora?" E eu me calei até para minha mãe. Se ela não entendia minha timidez, como querer que os outros entendessem? Como tentar explicar o inexplicável? Como falar do que estava dentro de mim, consistia a pessoa que eu era e, no entanto, me machucava tanto? Acho que nunca ninguém imaginou o quanto eu sofria no auge da minha timidez! Será que as pessoas achavam realmente que era opção minha ser assim? Que louco opta por ser tímido ao ponto de não pedir para ir ao banheiro? Não existe! A timidez foi o sapato que me apertou a maior parte da minha vida. Foi por ela que eu engoli os maiores sapos também. E tudo o que eu queria era ser diferente! Mas não conseguia. E quanto mais brigavam comigo exigindo uma mudança de atitude, mais eu fraquejava, mais eu me intimidava, mais eu sofria! No entanto, ninguém se dava conta. Sabe por quê? Porque cada um tinha também seus calos, seus corações, suas razões. E estes já eram suficientemente grandes para se importarem com os outros. Talvez os tempos de timidez me fizeram entender isso e me deram um pouco de sensibilidade para tentar buscar as razões dos outros. Talvez por isso eu nunca tenha me alongado tanto nos desentendimentos com as pessoas, porque em pouco tempo eu já estava entendendo as razões de cada um. Se não entendendo, pelo menos aceitando que elas existiam. Esta, sem dúvida, é também a razão pela qual às vezes me exploram, aproveitam-se de minha amizade, etc. O que quero com essa conversa toda? Tentar explicar um pouco do encanto do filme " O leitor". Porque a maioria das pessoas se pergunta: "Ela passou por tudo isso só porque não sabia ler??!!" O que mata é o tal do "só". O "só" é diferente para cada um. É o que eu dizia no começo: ninguém pode julgar que coração move cada razão. Não dá pra saber o que é a falta da leitura quando se sabe ler, ou quando não se dá importância a isso. Não dá pra saber o que é ser tímido quando se é extrovertido, eloquente, enturmado. Não dá simplesmente pra sair julgando sem conhecer de fato o coração de cada um. É claro que seria ótimo se alguém chegasse pra personagem e dissesse a ela que não valeria a pena pautar sua vida em torno daquilo, porque ingressar em campos de concentração como guarda e ser responsável pela tragédia que aquilo era não vale por nada mesmo, nem mesmo pela "frescura de querer esconder que sabe ler". Seria perfeito se o super homem aparecesse pra dizer que prisão perpétua é muito pior do que não saber ler, então não valia ela guardar este segredo e ser presa pela atitude impensada. Eu também torci por esse final, porque doeu em mim vê-la condenada à prisão perpétua como se ela mesma tivesse inventado o nazismo. Doeu como se a personagem fosse real. E acho que doeu porque eu enxerguei a vida assim. Vida em que nem sempre aparecem os super-homens. E quando aparecem, nem sempre conseguem nos salvar das tolices em que acreditamos, porque as tolices só são tolas para eles. Eu tardei a perder minha timidez. Na verdade não a perdi de um todo. Continuo sem saber o que dizer em muitas situações, continuo sem coragem pra reclamar quando furam a fila(bem na hora em que vou ser atendida), continuo com dificuldades de contar as coisas pra minha mãe( porque sempre vejo seu olhar reprovador da infância). E olha que nem sempre ela me reprova! Mas fazer o que se ainda me sinto assim? Um dia desses me peguei tendo uma conversa séria com meu irmão, questionando algumas atitudes de sua vida, falando de Deus, insistindo que ele precisava mudar e dizendo que o amava muito. Mas essa foi a primeira vez que tive uma conversa séria com alguém. Séria nesse ponto que mexe com relacionamentos. Porque sempre que precisei falar sobre coisas muito profundas, foi através de cartas que o fiz. Cartas pra mãe, cartas pro pai, cartas ao namorado, aos amigos... sempre cartas! Sempre cartas! Mas eu precisava falar com meu irmão. E esta era uma conversa adiada por meses. Tinha de ser olho no olho, porque cartas( embora representassem exatamente o que sou) não eram suficientes. Então, falei. Custou muito para mim, porque me faltava o jeito de fazer a coisa, de falar com precisão, de escolher as palavras certas... enfim, consegui! A muito custo, mas consegui. Parece bobagem, né? Mas não é! Você que está me lendo agora poderia ter feito isso sem esforço, mas será que sem o mesmo esforço você escreveria cartas? Pintaria quadros? Escreveria peças de teatro? Tocaria algum instrumento? Tomaria banho de chuva sem se preocupar com gripe? Montaria à cavalo? Subiria serras? Cada um sabe de si, do quanto aquilo pesa ou não na sua vida. E sabe quando eu aprendi a pedir aos professores para ir ao banheiro? Não foi quando me pressionaram e disseram que era tolice ser tão tímida. Não foi mesmo! Foi quando um super-homem me salvou. Claro que ele não fez isso insistindo como os outros em dizer que eu estava sendo tola. Claro que não! Porque assim ele também fracassaria. Aliás, ele não! Ela! Porque meu super-homem foi uma mulher, uma professora de português que tive na adolescência e que, tão logo percebeu minha timidez, deixou de chamar meu nome na hora da chamada. Ao invés disso, ela levantava o olhar para ver se eu estava na sala. E quando me via, marcava minha presença. Desse modo eu fui me sentindo segura em sua aula. Ao invés de me amedrontar como faziam os outros professores(exigindo que eu lesse em voz alta para a turma toda, etc), ela recolhia minhas redações. E quando gostava de alguma, lia para a turma. E assim eu tive coragem de dizer pra ela que fazia poesias. Ela as leu, gostou, comentou com os demais alunos. De repente um monte de gente na escola me encomendava poesia, conversava comigo. Eu não era mais apenas a garota esquisita que sentava na última cadeira da sala de aula. Eu tinha meia dúzia de amigos, e depois a dúzia toda. E depois mais, e mais, e mais... até que me dei conta de que a turma toda era de amigos e não havia razão pra tanta timidez. O resulado foi que me tornei oradora da turma na conclusão do 30 ano. Eu falei no microfone pra escola toda ouvir. E decidi que queria ser como ela: uma professora que enxergasse seus alunos. Caso ela um dia entre no meu blog, vou registrar seu nome pra ressaltar o quanto sou grata! Norma Arruda: é assim que ela se chama. E eu a admiro muitíssimo! Enfim, escrevi tudo isso só para que as pessoas entendessem que ao olhar para as escolhas dos outros, especialmente as erradas, antes elas procurassem ver as razões. Porque às vezes elas podem não existir. Afinal, o mundo está cheio de gente que mata só por maldade mesmo, cheio de gente que sente prazer em ver o outro sofrer, etc. Mas às vezes a razão pode esconder um segredo que, embora não alivie a dor, não justifique de fato o caso, pelo menos existe pra que a gente entenda que poderia ter sido diferente. E no caso da Hanna( personagem do filme) seria mesmo. Porque havia muita sensibilidade nela. Tanta que ela se sentia indigna "só" por não saber ler. "Só!" E é preciso sensibilidade para isso. Aliás, para saber o que sente um adulto analfabeto, peça a ele que escreva algo para você. Depois de ver a reação dele, aí você me confirma o tal do "só"! É só isso que eu peço! E fim.

3 comentários:

  1. Olha só, fazer amiga chorar não é certo viu!!!!
    Ainda bem que vc não me fez chorar e sim me emocionou, de certa forma consigui me ver nesse texto.

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  2. * consegui( foi erro de digitação, eu sei escrever hauhauhauhau

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  3. Estou querendo assistir O Leitor há algum tempo, mas ainda não aconteceu, passei rapidinho por alguns trechos aqui para que eu possa nem imaginar como seja, para que tudo que percebi no Triller invada-me à minha maneira. Entedi isso aqui, a maneira de cada um. Preceber de onde vem o outro é um exercício difícil, mas completamente viável e enrriquecedor, especialmente para quem o pratica. Uma pessoa não é o que você vê hoje, ela é resultado de toda uma vida, desconhecida à mim. Seus porquês, suas interpretações de vida.
    O meu coração foi tocado a pensar: engraçado, queremos ser acalentados em tudo, entendidos, amados, queridos, perdoados, não criticados... mas lá estamos nós, colocando o nossos "sós" pelo meio do caminho!
    beijos querida
    sempre bom vir aqui
    p.s: quando linkei deu em outro texto seu, o que fala do filme Austrália, deixei um comentário la tb!
    =]

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